Sejamos resistência na luta pelos povos indígenas

Por fevereiro 10, 2020fevereiro 28th, 2020Artigos

Hoje, no Brasil, estima-se que vivam cerca de 900 mil pessoas que se reconhecem como indígenas, uma porção da população brasileira que é invisibilizada e massacrada. “Resistência” e “luta” são palavras comuns à realidade dessas pessoas.

A luta dos povos originários é antiga. Para aqueles que querem compreender esse nosso histórico, recomendo a leitura do brilhante Eduardo Galeano que, em sua obra “As veias abertas da América Latina”, nos leva de volta a um trecho de nossa história banhado por violência: “os indígenas das Américas somavam não menos do que 70 milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois estavam reduzidos tão só a 3,5 milhões”.

Hoje, no Brasil, estima-se que vivam cerca de 900 mil pessoas que se reconhecem como indígenas, uma porção da população brasileira que é invisibilizada e massacrada. “Resistência” e “luta” são palavras comuns à realidade dessas pessoas.

Em setembro de 2019, o Conselho Indigenista Missionário lançou o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, que denuncia: sob a gestão do atual governo, o número de áreas indígenas invadidas dobrou. Nos 9 primeiros meses de 2019, foram 153 áreas invadidas em 19 Estados. Em 2018, como comparativo, foram 76 terras indígenas de 13 Estados.

Estes números passam a fazer sentido quando observamos as medidas da atual gestão do nosso país. Em dezembro de 2019, o presidente lançou a Medida Provisória da grilagem, como ficou conhecida a MPV 910/2019, que altera legislação que regulamenta as chamadas “terras públicas não destinadas”. Muitas terras indígenas ainda não foram reconhecidas ou, sequer, mapeadas.

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), acredita-se que existam pelo menos 100 grupos de indígenas isolados na parte brasileira da floresta amazônica. A medida, então, atingirá diretamente essas populações.

Mas reconhecimento de povos indígenas não é comum ao nosso Presidente. Pelas redes sociais, ao anunciar o vice-presidente, Hamilton Mourão, como chefe do Conselho da Amazônia, o Presidente lançou mais uma das suas. Afirmou que “índio tá evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós”. Difícil apontar o que é pior nessa fala.

Não bastasse, na última semana de janeiro, tivemos o convite do Governo Federal ao pastor evangélico Ricardo Dias para assumir a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, da Funai. No texto de sua dissertação, apresentada na Universidade de São Paulo (USP) em 2015, Dias traz um relato assustador: “após ouvir um missionário veterano expondo a necessidade de novos voluntários para o trabalho evangelístico de indígenas, decidi empenhar-me especialmente nessa causa”. O pastor atua há alguns anos neste propósito nos rincões da Amazônia.

E não para por aí. A cereja do bolo veio no último dia 5, com um projeto de lei protocolado na Câmara dos Deputados, o PL 191/2020, que permite atividades em Terras Indígenas, incluindo mineração. Tivemos, também, a “pérola” da declaração “ah, esse pessoal do meio ambiente, né? Se um dia eu puder, eu confino na Amazônia, já que eles gostam tanto de meio ambiente, e deixem de atrapalhar os amazônidas aqui de dentro das áreas urbanas”.

O Presidente quer que a população pense que é isto: ambientalistas e indígenas servem para “atrapalhar”. Cabe a nós, ser resistência. Lutar contra violações à nossa Constituição Federal; lutar pelas vidas e pela proteção do meio ambiente. Não vamos nivelar por baixo.

Certamente, quando o projeto chegar ao Senado Federal, analisaremos com muita cautela todos os seus pontos, sobretudo com escuta atenta às comunidades indígenas, diretamente envolvidas nesta possível nova norma.

* Fabiano Contarato é Senador e Presidente da Comissão do Meio Ambiente

 

Artigo publicado pelo portal Em Tempo em 10/02/2020.