Atual PGR, Augusto Aras, tem exercido mais o papel de integrante do governo e menos o de chefe do MP
O desenvolvimento e o crescimento das atribuições do Ministério Público (MP) estão diretamente ligados ao desenvolvimento da democracia e dos valores republicanos. No recente período de normalidade democrática pós-ditadura militar, o MP desempenha papel essencial na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Diz o artigo 127 da Constituição que são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Na atual gestão da Procuradoria-Geral da República, tem chamado atenção o desprezo pelo princípio da unidade.
Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados são autônomos entre si. Isso nos planos administrativo, financeiro e funcional, observado o princípio da unidade. Certamente, o exercício de tal unidade não afasta a diversidade de ideias e posições entre seus membros, mas induz à atuação coerente e em prol da segurança jurídica por seus membros.
Do ponto de vista processual, a unidade institucional do Ministério Público dispensa que as diversas vertentes da instituição (Estadual, Eleitoral, Trabalhista) tenham que atuar em um mesmo processo. A razão disso é simples: a atuação do Ministério Público é una, vinculada à sua prerrogativa institucional prevista na Constituição Federal. Não há possibilidade ou liberdade para que a atuação do MP se dê fora das hipóteses legais.
De maneira pacífica, juristas apontam que o princípio da unidade, disposto no art. 127, § 1º, da Constituição da República, orienta que o Ministério Público atue como instituição única, de modo que seus membros não devem ser vistos como indivíduos autônomos, mas como integrantes de uma só entidade.
Apesar de essas observações parecerem simples ou óbvias, na prática temos observado um cenário diverso. O atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, tem exercido mais o papel de integrante do Governo e menos o de chefe do Ministério Público. Exemplos nesse sentido já são abundantes, embora o novo Procurador tenha apenas dois de meses de mandato.
Em outubro, pediu a extinção de Ação Cível interposta pelo próprio Ministério Público Federal, que buscava a responsabilização dos réus pelos danos causados durante o projeto e a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu ao povo indígena Ava-Guarani. Em que pesem as informações apresentadas pela PGR, Aras pediu a extinção do feito sem resolução do mérito para dar “continuidade dos estudos voltados à adequada solução da questão jurídica posta”. O pedido de desistência foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a ação extinta.
No âmbito de ação protocolada contra a portaria inquisitória do Presidente do STF, que culminou, inclusive, no cerceamento do direito de livre manifestação – por meio da censura à matéria da Revista Crusoé –, o Procurador-Geral abriu mão do monopólio acusatório do MP e mudou de posição em relação à possibilidade de prosseguimento da ação. Se a então Procuradora Raquel Dodge havia apontado a necessidade imediata de arquivamento da ação em razão da evidente ilegalidade, o novo PGR seguiu o caminho inverso.
Em relação ao pedido de impeachment do Ministro Ricardo Salles, Aras considerou os graves crimes de responsabilidade denunciados como mero “inconformismo político” dos parlamentares representantes, incluído este autor. Na visão do chefe do Ministério Público, as causas do desmonte da política ambiental e do alarmante aumento nos índices de desmatamento não merecem ser detidamente investigadas.
Vale lembrar que a própria Constituição Federal determina a incumbência do Ministério Público em promover a defesa do meio ambiente, conforme teor do artigo 127.
Onde foi parar, nesse cenário, a unidade do Ministério Público determinada pela Constituição Federal? Poderemos contar com essa liderança em outras pautas importantes, como defesa das minorias e combate à corrupção?
Nem mesmo a menção ao Presidente da República no inquérito criminal que investiga a morte da vereadora Marielle Franco exigiu atuação mais cautelosa do chefe do Ministério Público. No mesmo dia em que recebeu informações sobre a investigação, Aras determinou o arquivamento do inquérito, o que chama atenção pela celeridade. Além disso, o PGR deu seguimento à investigação contra a testemunha que citou o Presidente da República, atitude, no mínimo, incoerente. Ora, num caso de interesse público – e sem antecipar a culpa de ninguém –, o Ministério Público deve pautar-se pela integral isenção e imparcialidade para alcançar suas conclusões.
Há, na imprensa, quem aponte a vontade de ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal como motivo do comportamento governista do PGR. Seja qual for a motivação, a postura tem manchado a imagem da instituição responsável por avanços significativos em nosso processo democrático nos últimos anos.
Assim, aos poucos, o PGR distancia-se de sua função institucional estabelecida pela Constituição Federal e se aproxima da função de defensor do Governo. Até mesmo seu processo de escolha, que dispensou a opinião dos pares por meio de lista tríplice, foi marcado pela intenção do Presidente em escolher alguém que lhe fosse subordinado. Na visão do Presidente da República, o PGR é uma das peças em seu tabuleiro de xadrez.
* Fabiano Contarato –
Senador da República pelo Espírito Santo. Presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal. Advogado. Professor em Direito Penal e Processo Penal. Delegado aposentado de Polícia Civil. Foi Diretor-Geral do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES) e Corregedor-Geral do Estado na Secretaria de Estado de Controle e Transparência (SECONT/ES).
Artigo publicado pelo site JOTA em 29/12/2019