You are the first gay man elected to the Brazilian senate. Can you tell us about how you achieved this and what your experience in the Senate has been like?
Fabiano Contarato: Fui Corregedor Geral do Estado do Espírito Santo; Diretor Geral do Detran-ES; Delegado de Delitos de Trânsito. Nessa trajetória no serviço público, ao combater a impunidade, especialmente a violência no trânsito, deparei-me com índices elevadíssimos de acidentes. Lamentavelmente, o Brasil é o quarto país do mundo em mortes no trânsito, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Temos 11 crimes com foco em punir infratores de trânsito, mas, na realidade, só quem sofre punição, nos casos de acidentes, é a família da vítima, com a dor da perda do familiar e a certeza da impunidade, pois, se o motorista aqui no Brasil matar, pela nossa legislação, não ficará nem sequer um dia preso, mesmo que tenha comprovada culpa. Fiquei sensibilizado com essa dor das famílias de vítimas. Até hoje tenho, no meu celular, muitas mães cadastradas, pessoas que atendi em momentos de muita emoção. Passei a ter uma ação incisiva, implacável na função de delegado. Entrei com ação na Justiça para conseguir medidas para evitar que motoristas embriagados continuassem dirigindo. Fui, cada vez mais, proativo, fazendo palestras em escolas, universidades, empresas, para dar mais conhecimento à população sobre o tema de mais segurança no trânsito. Promovi missas em memórias das vítimas, propus e, por lei, instituímos, no Espírito Santo, o Dia Estadual em Memória das Vítimas de Trânsito. Saindo do trivial, passando pelas medidas preventivas, levando para as escolas o debate sobre o trânsito, meu trabalho ficou conhecido, no Estado e no país. Passei a ser considerado uma referência, autoridade, para debater segurança no trânsito. Foi desse ativismo em favor da vida e contra a violência no trânsito, tratando as pessoas como iguais, sem distinção, conquistei credibilidade. Paralelamente, como professor de Direito Penal da Universidade de Vila Velha tinha mais um espaço de boa visibilidade. A sociedade capixaba valorizou o meu trabalho, identificando a ação humanizadora. Pessoas me paravam nas ruas, no supermercado, na faculdade e, muitas vezes, me abordando para pedir que ingressasse na política. E eu percebi que poderia fazer mais dentro dessa minha luta para aperfeiçoar o Código Brasileiro de Trânsito, ou seja para combater a impunidade no trânsito, mas, também, em outros aspectos da nossa vida. Quero atuar com mais efetividade em defesa das minorias: indígenas, negros, pobres, mulheres, LGBTs. Não fui eleito por um segmento, mas estou a favor da população mais pobre com o objetivo de reduzir a desigualdade social. É uma atuação ampla, que começou pelo trânsito, mas engloba educação pública de qualidade, saúde, geração de emprego e renda, mais participação efetiva de mulheres na política.
Na chegada ao Senado Federal, fui bem recebido pelos meus pares. Minha trajetória de vida me trouxe até aqui. No entanto, ao longo da vida, sofri preconceitos. Isso trouxe, para mim, um desafio permanente: ser o melhor aluno da escola, o da faculdade, o primeiro colocado em concurso público. Era para compensar, como se fosse um erro ser gay. Superei isso. E sou muito “respeitado”, porém, claro que isso de ser “respeitado” tem a ver com a minha independência econômica e social, por ter sido bem-sucedido. O homossexual que depende da família não é “respeitado”, infelizmente. Não podemos ser ingênuos. Lamento que, em regra, o ato espontâneo ou voluntário de respeitar quem é LGBT não existe, pois nas periferias vemos, constantemente, as pessoas sendo desrespeitadas por sua orientação sexual.
Faço, também, uma colocação sobre a chegada ao Senado, quanto a ter sido eleito pelos meus pares como presidente da Comissão do Meio Ambiente. Estou exercendo uma presidência com a visão de que temos de promover mais o interesse pela proteção da vida e do meio ambiente e menos o interesse puramente econômico. Temos debates sérios em curso: questão da exploração de mineradoras querendo avançar em terras indígenas; as tragédias ocorridas em barragens de mineração (Mariana e Brumadinho), enfrentar problemas como o das barragens com rejeitos de urânio, o aquecimento global etc. Há muito o que fazer. Temos uma agenda ampla em favor do meio ambiente sustentável e que nos coloca o desafio de aperfeiçoar a legislação ambiental.
Brazil is a relatively conservative country, but the election of extreme-right President Jair Bolsonaro last year has signaled a clear rise in fundamentalism. Why do you think this shift is happening in our country right now?
Fabiano Contarato: Em abril do ano passado, a imprensa brasileira divulgou pesquisa Ibope revelando que a proporção da população com alto grau de conservadorismo cresceu de 49% em 2010 para 54% em 2016 e chegou a 55% em 2018. Constatou-se que o índice de conservadorismo cresceu muito acima da média entre quem fez faculdade e os evangélicos sendo os mais conservadores entre os brasileiros. Algumas hipóteses sobre o aumento do conservadorismo indicaram: o desemprego, a corrupção, a falta e as falhas nos serviços de saúde e de segurança pública. Se somarmos isso à crise institucional da política, veremos que as pessoas estão sendo mais conservadora porque se apegam a uma noção de segurança que supõem terem vivido antes. Avanços são desprezados, há uma impaciência social, e aí a intolerância. Vontade de culpar, de punir, de justiçamento e que ocorre ao mesmo tempo em que as redes sociais vêm se expandindo. As pessoas vão reproduzindo nas redes sociais esses sentimentos. Entendo que, por anos, fui usado como braço do estado (na condição de delegado) para atuar de forma mais incisiva sobre a camada mais pobre da população e sobre os negros – basta observar o perfil socioeconômico da nossa população carcerária para entender o que digo. Enfim, nosso problema é que, com tudo isso, hoje, há uma insensibilidade muito grande em relação às pessoas menos favorecidas, as mais pobres e contra as minorias.
O Brasil precisa investir muito em educação, em saúde, em segurança. Precisa garantir a efetivação dos direitos individuais e sociais já previstos na nossa Constituição Federal. Ela é a espinha dorsal do Estado Democrático de Direito. No entanto, o movimento inicial do governo federal não tem colaborado nem para cumprir a Constituição e nem para pacificar esse estado de ânimo no país, para reduzir a intolerância. São questões complexas. Aqui, no Senado Federal, minha luta é pelo respeito aos Direitos Humanos, pelo cumprimento da Constituição Federal e dos Tratados e Acordos Internacionais que o Brasil é signatário.
You are opposing Senator Angelo Coronel’s proposal to end the female quota in political parties that was started by former senator Marta Suplicy. In fact, you’ve even proposed raising the quota from 20% to 50%. Why is it important to keep this quota — and even increase it?
Fabiano Contarato: É importante rejeitar o projeto do senador Ângelo Coronel porque representa o retrocesso. Teremos as eleições de 2020 e nelas, finalmente, a política de cotas, no Brasil, instituída na metade dos anos 90, na esteira da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (Pequim, 1995), poderá fazer toda a diferença para a eleição de vereadoras. Elegeremos muito mais mulheres do que nas eleições anteriores. Renovaremos a política. Para entender melhor isso é preciso conhecer a nossa história e as dificuldades do nosso processo. A conquista do voto feminino, aqui, aconteceu apenas em 1932, mas a emancipação da mulher sempre foi extremamente combatida na sociedade brasileira. Tanto que, até a década de 60, a mulher, no nosso país, era considerada, praticamente, como incapaz. É muito recente o empoderamento para trabalhar fora e ser independente. Mesmo assim, com imensas dificuldades no mercado e muita desigualdade salarial na comparação com os homens. Na política, foi a partir de 1997, com a Lei 9504, que indicou-se a reserva (não exatamente seu preenchimento) de 30% das candidaturas dos partidos ou coligações para cada sexo em eleições proporcionais (ou seja, para vereador/a, deputado/a estadual e deputado/a federal). No entanto, os partidos descumpriram isso, sistematicamente. Em 2009, houve grande pressão das mulheres, em vista das eleições gerais de 2010, e aí tivemos uma “mini-reforma” e a redação do artigo 10º da Lei Eleitoral foi alterada para assegurar que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. Uma palavra já fez muita diferença: trocar “reservará” por “preencherá”. Mesmo assim, os partidos burlaram essa previsão, preenchendo menos do que 30% de mulheres ou colocando nomes para constar apenas da chapa (laranjas). Contudo, mais recentemente, ano passado, as mulheres conquistaram do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o reconhecimento que 30% das candidaturas, também, se aplica para 30% dos recursos do fundo eleitoral (aqui no Brasil é dinheiro público, pelas regras atuais) e 30% do tempo de propaganda. O resultado mais imediato foi que a eleição para a Câmara do Deputados avançou. Na Legislatura passada, elegemos, entre deputados federais, 10% de mulheres. Já nas últimas eleições, para esta Legislatura, o índice subiu para 15%. Assim, em 2020, poderemos alavancar as candidaturas e as eleições de mulheres. Portanto, como relator do projeto que quer extinguir as cotas, votei contra. E mais: apresentei projeto que amplia a cota. Proponho 50% de candidaturas de homens e 50% das candidaturas de mulheres. Entendo que devemos cumprir o artigo 5º da nossa Constituição, e se todos “somos iguais”, todos precisamos ter as mesmas chances, os mesmos acessos à participação e a recursos. Por fim, mesmo se mantivermos a lei como está, no momento, cabe refletir que 30% das candidaturas poderia ser a parte dos homens. Não é. Não será, mas isso reflete bem o nosso preconceito e machismo. Aqui dizemos que é a cota das mulheres, mas é a cota do sexo. As mulheres, sabemos, vivem sendo barradas. Não conseguiram, até o momento, ser 70%. O justo, pela nossa situação atual, seria mesmo a paridade, já que as mulheres são 52% da população brasileira e têm direito a essa representação.
How do you think Brazilian politicians generally view and act on issues that affect women, LGBTQ+ folks, and other minorities in the country? What issues that primarily affect these populations do you believe deserve more attention?
Fabiano Contarato: O Congresso Nacional nunca aprovou uma lei federal em favor da população LGBT. Em 2018, o movimento comemorou 40 anos de ativismo, mas temos dezenas de projetos de lei parados nos armários das Casas legislativas, entre os prioritários a criminalização da LGBTfobia (tema em pauta no Supremo Tribunal Federal, mas com julgamento suspenso), o casamento entre pessoas, também (direito barrado no Congresso Nacional, mas que vale por decisão do Judiciário), temas ligados à saúde, como o fim da restrição de doação de sangue. Contudo, o ambiente conservador não permite nem sequer pautar esses projetos. Não seriam aprovados. Temos as cotas para mulheres na política e as de ingresso em faculdade e concursos públicos para enfrentar a desigualdade entre brancos e negros. Porém, mesmo com o reconhecimento da constitucionalidade dessas cotas, sempre temos alguém para ser voz contrária. Desafio permanente para nós que defendemos que as cotas são necessárias. Sonho com o dia em que não serão necessárias. Hoje, não podemos abrir mão porque aumentaria a desigualdade. Pesquisa do Datafolha, de fevereiro último, encomendada pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil evidenciou que, nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento em nosso país; 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Entre os casos de violência, 42% ocorreram no ambiente doméstico. Mais da metade das mulheres agredidas (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda. Elas têm medo. São muitas as questões, portanto: violência física, psicológica, moral. Eu penso que nosso país precisa enfrentar os seus preconceitos e fazer valer a nossa Constituição Federal. Eu luto por isso. Entrei na política com essa visão de que é preciso ter coragem para esse enfrentamento, mas sei que não é fácil e, muitas vezes, sinto vergonha porque é muito decepcionante o comportamento de uma boa parte dos nossos congressistas.
What are the main things — whether legislation or other accomplishments — that you hope to accomplish while in office?
Fabiano Contarato: Fui eleito com o firme propósito de combater a impunidade, de atuar pela redução da violência e da desigualdade social. Em pouco mais de dois meses de trabalho no Senado Federal, entre os 17 Projetos de Lei que apresentei, 5 tratam do trânsito. A ideia de um deles é determinar a aplicação de penas privativas de liberdade, quanto aos crimes de trânsito de homicídio culposo e lesão corporal culposa praticados sob a influência de álcool e entorpecentes. Como disse no início da entrevista, hoje, se uma pessoa estiver embriagada e matar ou causar lesão grave e permanente a outra, não passa nem sequer um dia presa. Somos, lamentavelmente, o quinto país que mais mata no mundo em termos de estatísticas do trânsito e, no entanto, nossas autoridades têm pautas populistas e estão flexibilizando regras. Mais recentemente, acionei a Justiça e obtivemos uma importante vitória a favor da preservação da vida com a juíza do Distrito Federal mandando manter radares nas rodovias federais. O governo federal anunciou a proposta de suspender a instalação de radares. Outra pauta muito sensível e que tenho me posicionado firmemente é contra a flexibilização do porte de armas. Temos cerca de 17,5 milhões de armas nas mãos de civis no território brasileiro, das quais mais de 9 milhões não possuem registro. No último dia 15 de janeiro, do Decreto nº 9685 flexibilizou os critérios para a posse no Brasil. Uma pessoa pode adquirir até quatro armas de fogo de uso permitido e até mais do que isso, caso apresente justificativas válidas. Entendo que armar a população é errado. É transferir para o cidadão a responsabilidade constitucional do Estado – e é este que deveria nos garantira segurança. Veja que, com os índices de violência contra a mulher, contra LGBTs e toda a nossa desigualdade social, estamos na contramão de propostas que poderiam reduzir a violência. Também, tenho trabalhado em prol de acabarmos com indicações políticas no Tribunal de Contas da União, um órgão por essência técnico e de suma importância para o controle dos gastos na gestão do Poder Público – apresentei uma Proposta de Emenda à Constituição para assegurar isso; para a nomeação do Procurador Geral da República, também, já tenho Proposta de Emenda à Constituição protocolada: penso ser, necessariamente, uma nomeação a partir da vinculação à carreira do Ministério Público da União, mecanismo garantidor de maior moralidade, independência e isenção daquela instituição. Então, eu tenho buscado exercer meu mandato para atender a população brasileira em temas abrangentes e de interesse nacional.
ENVIADA PARA THE FBOMB EM 17.04.19