Querem dar mais um duro golpe nas mulheres

Por março 2, 2019fevereiro 28th, 2020Artigos

Defendo a ação afirmativa que assegura às mulheres cota de participação na legenda dos partidos. Portanto, no dia 3 de abril, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Sendo Federal (CCJ), votarei contra o Projeto de Lei 1256/2019. O texto revoga o parágrafo 3º do Art. 10 da Lei 9.504/1997, que prevê percentual de preenchimento mínimo de vagas para candidaturas de cada sexo (30%), mas é por esse instrumento que as mulheres, finalmente, em 2020 poderão ter reais chances de crescer em participação nos legislativos municipais. Assim, o projeto representa, talvez, o mais duro golpe, dentre vários desferidos ao longo dos anos, contra a valorosa luta das brasileiras por igualdade civil.

Minha expectativa é de os meus colegas, na CCJ, acompanharem o parecer que apresento contrário à matéria. Será uma forma de a Casa sinalizar à sociedade que a renovação nas urnas, tão propalada, veio para valer. Será dizer não ao retrocesso para conquistas constitucionais reconhecidas em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) – as cotas têm a ver com o princípio da isonomia (Art. 5º – “todos somos iguais˜).

A justificativa do projeto que ataca o direito das mulheres baseia-se em duas falsas premissas. A primeira diz que “a medida (política de cotas) não tem alcançado efeito prático: a participação de mulheres nas últimas eleições não se mostrou diferente do patamar histórico”. A segunda: “mulheres têm sido compelidas a participar do processo eleitoral apenas para assegurar o percentual exigido, numa prática que se convencionou denominar candidaturas “laranjas”. Contudo, nas últimas eleições, a Câmara dos Deputados teve a representação feminina elevada de 10% para 15%. E não só as mulheres, mas homens são usados como laranjas. O que se propõe é que a vítima, a mulher, pague pelo crime do outro.

A verdade é que desde a entrada em vigor da Lei 9.504/1997, os partidos, sistematicamente passaram a combatê-la. Antes, não havia punição se lançassem menos mulheres do que previa o texto, pois se falava em “reservar” candidaturas. Foi a partir de muita pressão das mulheres que chegamos à Lei 12.034/2009, “obrigando” cada partido ou coligação a “preencher” as candidaturas de acordo com as cotas.

Mesmo assim, somente no ano passado, por resposta do Judiciário, ao ser provocado, tivemos decisões que resultaram na efetividade da política de cotas.

O STF  equiparou a repartição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) à cota de candidaturas femininas por partidos. Em seguida, a ministra Rosa Weber, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respondendo consulta pública apresentada por 14 parlamentares, em manifestação primorosa, incluiu 30% do tempo de propaganda eleitoral.

O projeto de Lei 1256/2019 quer desmontar de tudo isso. Caminha na contramão e atropela o movimento das mulheres. Pior é que, infelizmente, já temos nova investida contra elas e é da Câmara dos Deputados, a partir dos desdobramentos na apreciação do Projeto de Lei 1321/19. É um “pacote de bondades”, para que os partidos não apliquem os recursos de forma adequada  se livrem de sanções da Receita Federal. Inaceitável. É premiar a impunidade. Chegando no Senado Federal, serei contra.

Desse jeito, nunca alcançaremos o estágio civilizatório que a nossa vizinha, Argentina, comemorou no último Dia Internacional da Mulher. Lá passou a  vigorar a Lei de Paridade de Gênero, que estabelece o número igual de homens e mulheres para candidaturas ao Congresso e ao Parlamento do Mercosul.

A partir da Conferência de Beijing, em 1995 (IV Conferência Mundial sobre a Mulher), a cota de mulheres na política possibilitou avanço, significativo, na representação de mulheres em parlamentos da América Latina. A diferença entre nós e os argentinos é que eles levaram a sério essa proposta. Lamentavelmente, aqui, ˜passaram a perna nas mulheres”, e tem sempre quem diga que “a culpa é delas”. Nessas horas, dá uma inveja de “los hermanos”.

Fabiano Contarato é senador pela Rede-ES, palestrante e ativista humanitário. Foi professor de Direito Penal, Delegado de Polícia Civil; Diretor Geral do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES) e Corregedor-Geral do Estado na Secretaria de Estado de Controle e Transparência (Secont/ES).