Segue rendendo, no noticiário policial, o divórcio litigioso entre o bolsonarismo e o lavajatismo, em que a demissão do antes venerado Sergio Moro rendeu gravíssimas acusações públicas de tentativa de obstrução em investigações que correm contra o círculo do presidente, no âmbito da Polícia Federal. Os vídeos recém-publicados da famosa reunião ministerial revelaram detalhes ainda mais incômodos de um presidente que se vende como a nova política, mas cujos métodos são “museus de grandes novidades”, como diria Cazuza.
A fauna da referida várzea ministerial, para muito além da falta polidez ou da inobservância da liturgia, fez um tour completo pelo Código Penal brasileiro, mas o ponto central deste encontro infame é mesmo a confissão de tentativa de interferência na Polícia Federal, feita de viva voz pelo próprio presidente. Não convence, para além do círculo de seus acólitos fanáticos, a versão de que fetiche de Bolsonaro pela Superintendência no Rio se justificaria apenas pela segurança de sua família. Aliás, essa tarefa sequer é seu papel institucional.
Os ministros militares, apesar de terem se esforçado para endossar a versão fantasiosa de seu chefe, não tardaram a revelar depoimentos completamente incongruentes. No ofício como delegado, aprendi que quase sempre são infrutíferas as tentativas de combinar depoimento. As constantes trocas e promoções na equipe de segurança do presidente, no Rio, também denunciam a falsidade da suposta dificuldade em fazê-lo, sem falar nos “prints de zap” que circularam publicamente, em que até cadeiras no Supremo foram oferecidas no varejão da busca pela impunidade.
Afinal, no Rio, correm investigações que atingem em cheio a família Bolsonaro, para muito além das malcheirosas rachadinhas que engordam o seu substancioso patrimônio imobiliário. Bolsonaro busca fazer da Polícia Federal uma guarda pretoriana, que sirva aos seus interesses cegamente. Como registrava Maquiavel, “aos amigos os favores, aos inimigos a lei”: que se cuidem seus adversários políticos e já se assosseguem os seus apaniguados, se depender só dele e de seus braços dirigentes nesta corporação.
Em meio ao caos, avança a galope seu projeto chavista e autoritário e, com a cooptação de frações das Forças Armadas, da PGR e do Congresso, notadamente do centrão, os únicos obstáculos aos seus planos parecem ser mesmo o Supremo Tribunal Federal e a imprensa. Não por menos que suas milícias digitais agem contra esses de forma implacável.
Os rastros de crime estão por toda parte, mas não parecem comover Rodrigo Maia, sentado sob pilhas de pedidos de impeachment, e, menos ainda, o seu advogado de defesa, digo, o procurador-geral Augusto Aras, que toca as diligências investigatórias mais focado em retaliar Moro do que tangenciar o presidente. Uma cadeira no Supremo ou uma recondução de mandato, afinal, estão logo ali. Se a democracia irá sobreviver a Bolsonaro, só o tempo dirá, mas o velho cheiro de impunidade parece, como sempre, prevalecer nessa “nova política”.