Por Fabiano Contarato*
A descoberta da homossexualidade é uma caminhada dolorosa e solitária. Desde a infância, já notam e apontam para as nossas diferenças como algo a ser tolhido, mas é mesmo na adolescência, quando não mais acobertados pela condescendência própria da infância, que despertamos nossa consciência para a dimensão e seriedade desta questão em nossa vida. Será um caminho incontornável e ser feliz será, antes de tudo, uma escolha que precisaremos fazer: só depende de nós, afinal, já que o mundo seguirá hostil.
Num primeiro momento, ficamos hesitantes, confiamos que seja algo passageiro e buscamos nos “ajustar” ao que seria o espaço da “normalidade”. Como religioso, pedi muito a Deus que afastasse de mim esse cálice. Sofri, chorei e senti a reprovação de onde menos esperava: de pessoas amadas a completos desconhecidos. Esses dias são dolorosos: somos jovens, em formação, sem certeza alguma sobre nada, mas já conscientes de que pagaremos duras penas apenas por sermos aquilo que somos, algo que seria absolutamente trivial para um heterossexual.
Minha proximidade com Deus, ao contrário do que se pudesse pensar, me inspirou a aceitar quem sou. Deus é misericordioso: sua lição de amor não deixa ninguém pra trás. Dos moribundos a Maria Madalena, Jesus foi uma lição de tolerância, amor ao próximo e de bondade. Não larguei jamais minha fé, mas decidi que não padeceria em vida, tendo a oportunidade de ser feliz.
Na carreira de delegado de polícia, sempre tive que me desdobrar. Em um ambiente machista, em que era alvo constante de chacotas e descrédito, tive que me pôr à prova: era como se tivesse que me esforçar dobrado para apenas me equiparar ao patamar dos demais colegas. Quando se faz parte de um grupo marginalizado socialmente, funciona assim: temos que ser mais resilientes, mais esforçados e mais produtivos apenas para sermos considerados medianamente capazes.
Não reclamo das minhas escolhas e do meu caminho. Ao contrário, pude encontrar na vida realização, reconhecimento profissional e o amor, na companhia de Rodrigo, meu marido, e dos meus dois filhos, Gabriel e Mariana. Hoje me sinto capaz de tudo por eles: são minha fortaleza indestrutível. No amor, nos fazemos melhores, mais fortes e capazes de remar contra a corrente com a leveza e a convicção de que estamos fazendo nada mais que o certo e o justo.
Minha família é meu porto seguro: não posso tolerar que seja desrespeitada ou diminuída. Lutarei o possível para que o mundo dos meus pequenos Gabriel e Mariana seja menos hostil do que fora para mim. Na CPI da Covid, durante o depoimento do Sr. Otavio Fakhoury, não pude silenciar minha indignação por fala homofóbica que fizera contra mim em suas redes sociais.
Fakhoury me atacou por minha homossexualidade, ferindo diretamente minha família. Não foi o primeiro e não será o último. Mas, estando no Senado, ainda que seja difícil expor minha família, entendi que não era apenas sobre mim: era sobre milhões de brasileiros que passam pelo mesmo diariamente. Nessa posição, minha omissão equivaleria à covardia: meu silêncio seria condescendência com uma conduta que, por decisão do STF, passou a ser análoga ao crime de racismo.
Recebi ataques, mas, sobretudo, contei com uma rede imensa de solidariedade de todos os lados. Em dias sombrios como os que vivemos, numa Casa conservadora como o Senado, é reconfortante ver que uma senadora, ao ser tachada de “descontrolada”, e um senador homossexual, ao ser atacado por ofensa homofóbica, encontrem a solidariedade dos pares e de parcela expressiva da sociedade. Como povo, estamos amadurecendo. Mas esse amadurecimento não seria possível se mulheres, negros e homossexuais não figurassem nas fileiras do Congresso: se existimos na sociedade, temos que nos fazer representar no Parlamento. Somos parte, afinal, do Brasil e dificilmente alguém levantará a voz em nossa defesa se não estivermos lá para fazê-lo, não por nós, mas por todos os que sofrem o que sofremos.
O célebre discurso de Martin Luther King na Marcha de Washington, em 1963, inspirou em todos nós o sonho por tempos melhores, onde todos e todas tenham oportunidade e valor numa sociedade tão marcada pela desigualdade. Tal como o Dr. King, eu sonho com o dia em que não serei julgado por minha orientação sexual, em que meus filhos não serão julgados por serem negros, em que minha irmã não será diminuída por ser mulher e meu pai não será discriminado por ser idoso. Esse sonho depende de todos nós, caro Leitor, e, portanto, arregacemos as mangas e passemos a construí-lo desde já!
*Professor de direito e processo penal, delegado aposentado e, atualmente, senador da República pelo estado do Espírito Santo.
Artigo publicado em A Gazeta em 03/10/2021.