Prestes a completar 14 anos, a Lei da Ficha Limpa sofre a maior ameaça em sua história. É a maior e mais eficiente barreira já construída contra políticos que se perpetuavam no poder mantendo condutas ilícitas. Agora, de súbito, existe uma pressão para afrouxar as regras dessa lei inovadora, que está entre as mais avançadas da legislação brasileira. Para esclarecer os interesses por trás da empreitada, convido os leitores a fazerem sempre a seguinte pergunta: “Qual o objetivo disso?”.
O objetivo da Lei da Ficha Limpa, 14 anos atrás, era atender e cumprir um dos princípios que regem a administração pública: o princípio da moralidade, estabelecido no art. 37 da Constituição. A proposta surgiu de iniciativa popular, ao reunir mais 1,6 milhão de assinaturas. Eram brasileiras e brasileiros que exigiam nada mais do que respeito.
Já com o Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, o que se pretende é passar por cima da vontade popular, contrariando aquilo que representa o maior fundamento da democracia: o entendimento de que todo poder emana do povo.
Ao propor mudança na forma em que se conta o tempo em que um candidato está impedido de disputar eleições, o projeto, na prática, busca tão somente diminuir o tempo de inelegibilidade. Ou seja, garante ao candidato menos tempo barrado pela Lei da Ficha Limpa.
Além disso, ao dispor que serão inelegíveis apenas os candidatos condenados “por comportamentos graves aptos a implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos”, entendo que o texto pode beneficiar diretamente ex-candidatos que não tiveram o registro cassado, mas cometeram graves atos de abuso de poder econômico e político.
Sempre digo que o voto é um dos momentos mais sublimes de uma democracia e que nós, políticos, temos a obrigação de cumprir com a confiança depositada pelo povo.
Se alterarmos a Lei da Ficha Limpa, não só estaremos arruinando uma lei que o próprio Supremo Tribunal Federal já declarou constitucional e que foi uma grande conquista dentro do Estado Democrático de Direito, como também vamos escarnecer a população brasileira e vilipendiar aqueles que lutam por uma sociedade onde todos tenham dignidade.
Por isso, pergunto novamente: “Qual o objetivo disso?”. Por que agora nós vamos modificar e flexibilizar essa lei para beneficiar pessoas que não cumpriram com seus deveres públicos? Que não cumpriram com sua função política e que desrespeitaram o princípio da moralidade estabelecido na Constituição?
Meu voto é contra qualquer insurgência que violente esse princípio. Não podemos compactuar com políticos que usaram seus mandatos populares para subverter a ordem, praticar crimes e desrespeitar a Constituição Federal, espinha dorsal do Estado Democrático de Direito.
Devemos lembrar que o principal destinatário das nossas ações é a população, que se sente atacada diariamente nos seus direitos mais básicos, quando falta segurança, saúde, educação, inclusão, respeito, acesso a oportunidades. A Lei da Ficha Limpa é o freio moral necessário para que nunca esqueçamos a quem devemos prestar respeito.
Fabiano Contarato (PT) é senador pelo Espírito Santo.
Artigo publicado no BrazilJournal em 10/09/2024
Artigo publicado no Estado de Minas em 11/09/2024