O dia do Orgulho LGBTQIA+, 28 de junho, é uma oportunidade especial para lembrarmos dos tantos motivos que temos para nos orgulhar como comunidade. É um ato revolucionário o ser humano viver sua verdade e amar com coragem. Viver e amar tornaram-se atos políticos de resistência nestes tempos de violência e discriminação. Sinto orgulho e gratidão por todas e todos os que nos antecederam na luta por dignidade e igualdade. Não sinto, no entanto, como senador da República, mobilização política e engajamento do Congresso Nacional com respeito à consolidação, por meio de leis, aos direitos da população LGBTQIA+.
Convido a todos para um breve exercício: imaginar como seria a vida de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, travestis, queers, intersexo, assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero sem as diversas decisões judiciais que, com base na Constituição Federal, nos garantiram direitos básicos e fundamentais. Não poderíamos nos casar, nem, muito menos, adotar filhos. Nossas famílias não teriam reconhecimento por parte do Estado e, como consequência, sofreriam sem a sua proteção. Pessoas transgênero seriam obrigadas a viver com nomes que não representam sua identidade. No país que mais mata travestis no mundo, a homofobia e a transfobia seguiriam ainda mais impunes do que hoje. Homens gays e bissexuais não poderiam doar sangue. Estes são só alguns exemplos.
Este exercício deve, primeiramente, nos levar a reconhecer o incansável esforço realizado por ativistas e defensores de Direitos Humanos. São pessoas que, corretamente, enxergaram no Judiciário o espaço de maior potencial para os avanços das nossas causas. Decisão atrás de decisão, conseguiram construir um arcabouço de direitos mínimos que, no entanto, ainda estão longe de encontrarem-se plenamente efetivados.
A ausência de qualquer legislação específica, no âmbito federal, em defesa dos direitos LGBTQIA+ tem efeitos práticos e simbólicos. Como construir políticas públicas em benefício de um grupo que alcança 16% da população brasileira sem a atuação do Congresso Nacional? Como financiar órgãos e entidades públicas para trabalhar em seu benefício sem que o orçamento federal leve em conta as suas necessidades? Como fiscalizar as omissões do Poder Executivo quando as omissões do Poder Legislativo são igualmente graves?
Infelizmente, precisamos reconhecer também que decisões judiciais podem ser revertidas. Com a composição do Supremo Tribunal Federal (STF) sujeita a mudanças, é inegável que o risco de um desmonte destes avanços jurisprudenciais cresce a cada indicação do Presidente Jair Bolsonaro para aquela Corte. Acompanhamos com apreensão o impacto que um ministro “terrivelmente evangélico” terá sobre nossos direitos.
É, ainda, desoladora a percepção de que o Congresso Nacional foi e continua sendo incapaz de aprovar um único projeto especificamente destinado a proteger nossos direitos. Não é por outra razão, por exemplo, que o termo ‘pederastia’, já reputado inconstitucional por sua óbvia conotação discriminatória, segue insculpido no Código Penal Militar.
Para reverter essa situação, apresentei três projetos de lei, no Senado Federal, objetivando a consolidar vitórias alcançadas no STF e a avançar na defesa e na promoção dos nossos direitos. Uma das propostas Uma das iniciativas reforça a vedação à discriminação com base na orientação sexual de doadores de sangue que sejam homens que mantém relações sexuais com outros homens. Outra proposição institui punições agravadas para homofobia e a transfobia nas Forças Armadas. A terceira combate o preconceito e a discriminação em estádios e eventos esportivos.
Há que se alertar que a conquista de direitos e garantias no âmbito do Poder Judiciário não desincumbe o Congresso Nacional de desempenhar sua função constitucional de proteger os Direitos Humanos e promover a igualdade. Precisamos cobrar que a Câmara dos Deputados e do Senado Federal virem a páginas de sua omissão, responsável por perpetuar um ciclo histórico de exclusão, marginalização e violência.
No final de 2020, o Senado Federal deu dois passos para reverter esse cenário desolador. Aprovou um projeto que estabelece, como circunstância agravante para crimes, no Código Penal, a motivação de discriminação ou preconceito por orientação sexual. Foi aprovado também, como resposta ao assassinato de João Alberto, em Porto Alegre, um projeto que determina a inclusão, nos cursos de formação e aperfeiçoamento de agentes públicos e privados de segurança, de conteúdo relacionado ao combate ao racismo e também ao preconceito por orientação sexual. Ambos aguardam apreciação por parte da Câmara dos Deputados.
Se hoje o edifício do Congresso terá sua fachada iluminada pelas cores da bandeira do arco-íris, símbolo da luta política e social doa movimentos LGBTQIA+, ainda falta muito para que essas luzes adentrem seus corredores e plenários. Estes espaços permanecem hostis à diversidade. Em meio a um cenário desolador de recorrentes violações aos nossos direitos básicos de existir e amar, é desafiador pensar em missões que vão além de evitar novos retrocessos. Se nos falta orgulho em relação ao histórico do nosso Congresso Nacional na defesa de direitos LGBTI+, sobra disposição para lutar e construir um futuro melhor.
*Fabiano Contarato (Rede-ES), senador da República
Artigo publicado no Estadão em 28/06/2021.