Fabiano Contarato – autor convidado*
Agora é realidade: temos uma nova lei para acabar com a impunidade nos acidentes de trânsito. O presidente da República sancionou lei com emenda de minha autoria que determina prisão para o motorista embriagado que matar ou lesionar no sistema viário. Hoje, a pena de prisão para esse crime pode ser trocada por prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas. Essa regra mais dura é uma grande conquista para a sociedade brasileira, num país onde mais de 40 mil pessoas morrem anualmente em acidentes nas estradas e rodovias e mais de 400 mil ficam mutiladas.
Como delegado de delitos de trânsito por mais de dez anos e como ex-diretor-geral do Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran-ES), vivenciei de perto a dor de famílias que perderam entes queridos em acidentes no sistema viário. O motorista que desrespeita a lei não pode ter a certeza de que nada acontecerá, e é por isso que essa emenda punindo maus condutores é um grande passo na legislação, e vale para todos!
Entre 2008 e 2016, mais de 360 mil pessoas morreram no trânsito. Destas, quase 10 mil eram capixabas, interrompendo histórias de vida e deixando seus parentes e amigos arrasados. Foram mais 1,6 milhões de pessoas feridas nos últimos 10 anos, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, a um custo de quase R$ 3 bilhões de reais para o Sistema Único de Saúde. É inestimável o custo para a economia: milhares de pessoas com deficiências e graves sequelas, impossibilitadas de voltar plenamente ao mercado de trabalho. Precisamos reduzir essa triste estatística.
A ciência mostra que há uma saída para esta crise: investir em prevenção e fiscalização e combater a impunidade. Nada poderia contrariar mais as recomendações científicas, no entanto, do que a recente flexibilização do Código de Trânsito Brasileiro, projeto enviado pelo governo, aprovado com alterações pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República.
Nesse texto, nossa emenda garantindo cadeia de fato para motoristas embriagados é uma ilha de punição dura em meio a retrocessos que reduzem a fiscalização, afrouxam regras para carteira de habilitação e premiam motoristas imprudentes. A emenda proíbe a substituição da pena de prisão por penas restritivas de direitos, como pagamento de multa ou prestação de serviços à comunidade.
No Senado Federal, já apresentei 11 projetos de lei para diminuir a impunidade no trânsito e assumi 63 relatorias de matérias sobre o assunto. Seguiremos trabalhando pela preservação da segurança nas rodovias e contra o enfraquecimento da lei, que aumenta a insegurança. A defesa da vida e de vias mais seguras é uma causa coletiva.
Quem recebe condenação, hoje, é a família da vítima, que sofre a dor da perda e tem a certeza da impunidade dos culpados. Precisamos, sim, educar sobre o trânsito, mas não como forma de burlar as leis e cometer mais infrações. Precisamos enfrentar e reverter esse problema com investimentos na infraestrutura das estradas, esforços de educação e conscientização sobre conduta no trânsito, aumento da fiscalização e melhorias na segurança veicular – medidas recomendadas por cientistas e especialistas em todo o mundo.
Acabar com a impunidade daqueles que causam mortes e lesões no trânsito é igualmente importante. De nada adianta, todavia, agravar a pena prevista na lei para motoristas que causarem mortes ou lesões graves se estas penas não forem efetivamente aplicadas. O sistema judicial brasileiro é conhecido pelos seus muitos meandros que favorecem a impunidade. Cabe ao Congresso Nacional avançar na discussão de reformas que tornem o Judiciário mais célere e efetivo.
*O autor é senador da República
Artigo publicado em A Gazeta em 15/10/2020.