Inclusão dos invisíveis

Por agosto 15, 2023agosto 29th, 2023Artigos

Por Fabiano Contarato*

A decisão do ministro Alexandre de Moraes de proibir remoções forçadas de pessoas em situação de rua retoma o importante debate sobre a invisibilização de milhares de brasileiros que vivem à margem da sociedade, dos direitos e das garantias constitucionais que deveriam alcançar todos os cidadãos, sem qualquer distinção, preconceito ou exclusão. Isso é o que determina a Constituição Federal, em seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Moraes também determinou a criação de um plano para a efetiva implementação de uma política nacional para as populações em situação de rua. Esse planejamento é necessário para que os Poderes, cada um dentro de sua responsabilidade, saibam a melhor forma de lidar com a situação e pensem estratégias para mostrar ao mundo que o Brasil não admitirá brasileiros de segunda ordem.

Questiono até que ponto o Brasil sabe quantas pessoas em situação de rua estão atualmente no país e que medidas podem ser tomadas. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que, no ano passado, eram mais de 280 mil, aumento de 38% desde 2019. O estudo revela crescimento da vulnerabilidade depois da pandemia de Covid-19. Os dados, no entanto, não são detalhados e fornecem poucas informações sobre essas pessoas.

O Decreto 7.053/2009 estabelece a Política Nacional para a População em Situação de Rua. O normativo preconiza a contagem oficial dessa população, mas a medida ainda não foi implementada pelo IBGE. Justamente por essa defasagem de informações e dados, nosso mandato apresentou, ainda em 2020, o Projeto de Lei 4.498, que determina a inclusão da população em situação de rua no censo demográfico realizado periodicamente pelo IBGE.

É evidente que são inúmeras as dificuldades para a elaboração de uma metodologia capaz de incluir esses brasileiros nos levantamentos estatísticos. Entretanto, com mais de dez anos depois da vigência do decreto estabelecendo a política para essa população, já haveria tempo hábil para o desenvolvimento de alguma metodologia efetiva. Ao não incluir essa população no Censo, o país retrata a inexpressiva atenção que se tem dado a ela, seja na elaboração, seja na execução de políticas públicas.

Essa correção é mais que emergencial, é crucial! O Brasil precisa alcançar pessoas que, de tão marginalizadas, estão fora até do radar da assistência social. Assim como Moraes, que tomou uma medida para enfrentar o problema, o Congresso Nacional também precisa enfrentar a situação e avançar com o PL 4.498/2020. Apresentado há mais de três anos, ele ainda segue aguardando apreciação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A aprovação do projeto é um ato de reconhecimento da dignidade humana, de cumprimento de uma determinação constitucional e, acima de tudo, uma oportunidade para promover uma sociedade mais justa e inclusiva. É uma oportunidade para dar visibilidade aos invisíveis, para que eles possam finalmente ser ouvidos, atendidos e integrados à sociedade que compartilhamos.

*Fabiano Contarato é senador (PT-ES), professor de Direito e delegado aposentado da Polícia Civil

 

Artigo publicado em O GLOBO em 15/08/2023.